“Para tudo há um tempo debaixo dos céus: tempo para nascer, e tempo para morrer;
tempo para chorar e tempo para rir; tempo para calar e tempo para falar”… Ecle 3,1-5
“O tempo pode ser medido com as batidas de um relógio ou pode ser medido com as batidas do coração” Rubem Alves
Ouvimos no dia a dia expressões como estas: “não tenho tempo”, “não dá tempo”, “o tempo não passa”… “perdi o tempo da minha vida.” Com saudades de algo no passado ouvimos “ ah, no meu tempo…era diferente e muito melhor”. Enfim, o senhor tempo… Estas expressões me levam a propor algumas reflexões em termos de como trabalhamos com a dimensão da temporalidade da vida humana, e com o tempo no dia a dia.
Existem duas formas de vivermos o tempo na vida: como cronos ou kairós. Ao tentar refletir sobre esta realidade, corro o risco de ser tachado de “romântico ou idealista incorrigível” num contexto em que as forças do mercado globalizado repetem de forma insistente e dogmática, de forma subliminar de que “tempo é dinheiro”. Conseqüentemente, estamos sempre sem tempo, estressados e correndo sem saber onde chegar! Mas vamos em frente! Cronos é o “tempo das batidas do relógio”, a marca implacável da finitude e temporalidade humana no processo de envelhecimento de nosso corpo.
Trata-se do tempo de quem está tenso no hospital esperando por ter alta ou com angústia esperando por um resultado positivo de um determinado diagnóstico, ou o tempo urgente para salvar a vida de alguém numa parada cárdio-respiratória na emergência, entre tantas outras situações. Nesta dimensão de tempo, lutamos contra, nos sentimos facilmente vítimas dele, pois em geral chegamos sempre atrasados e o tratamos como se fosse um inimigo.
Facilmente esquecemos que a temporalidade é constitutiva da existência humana. Caso acumular anos fosse somente uma série de momentos isolados, então poderíamos escolher aqueles que nos seriam mais significativos. Precisamos questionar a ideologia dos que elegem somente uma parte de suas vidas como significativa. Por exemplo, hoje se afirma que todo o sentido da vida se encontra na busca da eterna juventude. Nesta perspectiva passamos a gostar somente do tempo da juventude, a desconfiar do tempo de adultos e a simplesmente detestar e rejeitar o tempo que marca o outono de nossa vida, ou seja da velhice. Expressões como “estou com oitenta 80 anos, mas tenho espírito jovem”, não denuncia um pouco esta mentalidade de não assumir plenamente a sabedoria da vida na maturidade dos anos?
Mesmo sendo igual para todos – um minuto é sempre um minuto – este é percebido subjetivamente de forma diferente para cada pessoa. Comentamos com freqüência que o tempo demora demais em passar ou que passa rápido demais. Uma mensagem interessante em relação a esta percepção do tempo diz o seguinte:
“Para perceber o valor de um ano pergunte ao estudante que repetiu o ano.
Para perceber o valor de um mês, pergunte para a mãe que teve o bebê prematuramente.
Para perceber o valor de uma semana, pergunte ao editor de uma revista semanal.
Para perceber o valor de uma hora, pergunte aos namorados que estão esperando para se encontrar.
Para perceber o valor de um minuto, pergunto para a pessoa que perdeu o avião.
Para perceber o valor de um segundo, pergunte a uma pessoa que conseguiu evitar um acidente.
Para perceber o valor de um milésimo de segundo pergunte ao piloto que ganhou uma prova de Fórmula Um”.
Qual o segredo desta valorização do tempo, se as batidas do relógio, em termos de hora, minuto ou segundo são rigorosamente iguais para que quem o percebe passando rápido ou demorando demais?
Claro que somos filhos(as) do tempo, vivemos no Cronos, mas não somos simplesmente vítimas do processo de envelhecimento. Podemos fazer diferença cultivando uma atitude positiva que depende exclusivamente de nós. É preciso fazer acontecer a dimensão do kairós. O tempo, como kairós, isto é, como experiência da graça maior que plenifica a vida e lhe dá sentido. É o tempo que abraça a vida “como um caso de amor”, de uma experiência profunda de paz, de reencontro e de reconciliação, consigo mesmo, com os outros e com o grande outro, Deus. É o tempo medido “com as batidas do coração”, como diz Rubem Alves. Aqui, mais do que lamúrias por não ter vivido, ou por falta de tempo, vamos encontrar pessoas com histórias fantásticas de sentido de tempo.
A dimensão do cronos é significada pelo kairós. “Nossa, já se passaram três horas e nem percebi…”. É o tempo do amor, do encontro que plenifica o viver. É a vivência da sabedoria de perder tempo com o que é essencial na vida. Como no livro do Pequeno Príncipe, quando a raposa diz ao príncipe: “foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante”. Uma verdade esquecida entre os humanos. É preciso lembrar que nos tornamos eternamente responsáveis por quem cativamos. Nesta dinâmica, bastam por vezes apenas cinco minutos de encontro com alguém, para que oitenta anos ou mais de cronos adquiram significado, luz e sentido. Na perspectiva do Kairós, temos como tarefa amar a vida marcada pelo tempo, seja o ser ainda sem as marcas do tempo, como no caso um bebê em gestação, o tempo do adolescente rebelde, o tempo do jovem idealista , o tempo do adulto responsável, e por quê não o tempo na velhice. É aceitar e acolher a vida aos 4 anos, aos 20, aos 40 ou aos 80 anos ou mais de idade.
Estamos, portanto, diante de uma realidade em que temos que optar: viver sob o signo do cronos ou de kairós? Se alguém ou algo é realmente importante, então consequentemente o tempo tem que ser a prioridade, seja no dia a dia de nossas vidas, seja na convivência familiar ou no âmbito profissional. O tempo do encontro torna-se terapêutico quando optamos por vivenciá-lo na dimensão do kairós. Então, sejamos nós profissionais da saúde atuando na emergência, atendendo uma parada cardíaca, ou na UTI, ou em consulta num ambulatório orientando idosos, ou ao lado de quem esteja na fase final da vida, estaremos fazendo diferença, humanizando e sendo humanizados. Assim agindo nos tornaremos mestres do tempo, pois, mais do que acrescentar anos à vida, processo normal do Cronos, estaremos acrescentando vida aos anos, o que significa assumir a dimensão Kairótica, ou seja, de viver em estado de graça.
Artigo de Bioética, do Padre Leo Pessini, do Centro Universitário São Camilo