Dentro da abordagem multiprofissional na qual se inserem os cuidados paliativos, não podemos deixar de ter sempre em mente os princípios norteadores da sua prática: não antecipar nem prolongar a vida, oferecer alívio da dor e de outros sintomas, integrar os cuidados psicológicos, social e espiritual; oferecer um sistema de suporte que permita aos pacientes viverem tão ativamente quanto possível, preservando sua dignidade e qualidade de vida em toda as etapas de sua existência e ajudar a família a lidar com a doença e o luto.
A partir da práxis e do referencial teórico de cada cuidador, esses itens são avaliados e reavaliados em todas as etapas de progressão da doença, e nova conduta e programação terapêuticas são definidas a partir de uma comunicação clara e aberta com a família e, quando possível, com a criança e o adolescente. Em relação ao adolescente e adulto jovem esse diálogo deveria ocorrer diretamente no contexto da relação médico – paciente, sem necessidade da intermediação dos familiares.
Mas, na maioria das vezes, os familiares adotam uma atitude de superproteção e de ocultamento da informação, criando distanciamento e isolamento entre paciente e família. Na tentativa de proteger o paciente da dor do contato com a sua finitude deixa de proporcionar um momento de compartilhamento e decisão conjuntos, ficando o paciente isolado e solitário na sua incerteza e angústia frente ao desconhecido e a morte. O convívio familiar se dá e cria-se uma distância intransponível entre família – médico – paciente.
As decisões ou deliberações a cerca de sua própria vida lhe são negadas vez que não tem conhecimento e informação a respeito de sua real condição . Todas as tentativas de aproximação da verdade são sentidas e percebidas como insuportáveis para os familiares, que não permitem a comunicação franca com o paciente a respeito de sua condição . O papel do psicólogo neste momento é de intermediação na relação familiar (família – paciente) e na relação médico – paciente, sendo facilitador da comunicação entre todos os membros da família com toda equipe de profissionais que o assiste.
Através do atendimento psicoterápico o terapeuta pode aprender o grau de conhecimento que o paciente tem a respeito da severidade de sua doença , os mecanismos de defesa utilizados e as fantasias relacionadas à sua doença , tratamento, e ao seu processo de vida, e a sua morte. Seja somente através da escuta ou de alguma outra modalidade terapêutica que proporcione a catarse e a elaboração, será possível ajudar o paciente a encontrar recursos internos para enfrentamento da realidade vivida.
Em nossa experiência com crianças, adolescentes e adultos jovens temos utilizado a arteterapia , principalmente a modalidade de livre expressão através do desenho e da pintura em tela, como um recurso efetivo para projeção de angústias e vivências catastróficas do mundo interno do paciente. Encontramos nesta forma criativa e não verbal uma maneira efetiva de expressão e liberações promovendo auto- conhecimento , consciência e transformação na percepção do mundo.
Num estudo clínico –psicológico que realizamos com adolescentes com câncer em fase de progressão da doença, observamos através da técnica do desenho – história, que este instrumento foi valioso como processo diagnóstico e terapêutico no trabalho com esses pacientes.
Os desenhos e as histórias construídas refletiam ansiedade , desejos, expectativas, esperança e favoreciam sempre a possibilidade de ter insight , elaborar o vivido e fortalecer neste processo de significações, re-significações do viver. A busca do sentido para todas as perdas e sofrimento conduzem a novos caminhos que transcendem esta existência. A necessidade de separar-se dos objetos, coisas, pessoas, desapegar-se faz com que a dimensão espiritual e o contato com o divino fortaleça e ganhe espaço agora na vida deste sujeito.
Começa, para muitos pacientes, pouco a pouco, um distanciamento das coisas deste mundo como um processo de preparação para a passagem para uma outra etapa, para outro momento, outro tempo em outra vida, conforme relatos de muitos parentes que encontraram na imortalidade da alma. e na continuação da vida , força e energia para aceitação da própria morte. Mas compartilhamos em silêncio desse ritual de despedida onde cada, um na sua maneira singular e única, encontra o sentido para sua existência.
Artigo de Elisa Maria Perina – Mestre em Psicologia Clínica – USP; Doutoranda em saúde da Criança e do Adolescente do Depto. de Pediatria / FCM – Unicamp; Especialização em Arteterapia; Filiada ao Centro Infantil Boldrini