Tradicionalmente, médicos dispõem somente de instrumentos toscos para combate à dor. Aspirina, antiinflamatórios e medicações mais potentes como os opiáceos têm oferecido alívio da dor para muitos pacientes, porém apresentam efeitos colaterais importantes.
No momento, cientistas têm trabalhado muito para estabelecer alvos mais precisos para o combate à dor. Os objetivos a serem atingidos são o combate à dor no nível molecular, com o desenvolvimento de drogas dirigidas a moléculas específicas e sem a presença de efeitos colaterais.
A investigação clínica e laboratorial tem desvendado o percurso seguido pela dor desde a periferia até o cérebro. Também se tem identificado milhares de estruturas envolvidas incluindo receptores, que tanto facilitam como bloqueiam a percepção da dor, ligando (moléculas que se ligam a receptores ou outros agentes), assim como outras moléculas que transmitem sinais para diferentes células. Pesquisas atuais também têm mostrado fatores ainda não conhecidos como células que não neurônios e genes escondidos, que contribuem para diferenças individuais na percepção da dor.
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Outra entidade surpreendente, a “pimenta”, tem se tornado um elemento central para o estudo da dor. Cientistas acreditam que estudando a “queimadura” desencadeada por alimentos apimentados podem levar luz sobre lesões associadas com algumas condições médicas. A capsaicina, ingrediente que torna a pimenta “quente”, se liga a receptor celular que envia sinais de perigo ao cérebro – um processo semelhante ao observado na inflamação.
O receptor da capsaicina (TRPV1, conhecido anteriormente como VR1) é um transdutor de calor. Converte o calor intenso em atividade elétrica nos neurônios, existindo uma dada intensidade em que o indivíduo passa a sentir dor. A expressão destes receptores em neurônios sensoriais da pele aumenta dramaticamente após inflamação, o que contribui para a hipersensibilidade à dor. Estas características, segundo pesquisadores, fazem do TRPV1 um bom alvo terapêutico para certos tipos de dor.
Cientistas têm testado esta hipótese através de experimentos que bloqueiam o TRPV1. Seus resultados revelam que, apesar de ser a sinalização através do receptor uma parte importante da percepção da dor, outros mecanismos também precisam estar envolvidos. Por exemplo, após retirada do gene TRPV1 em ratos, para que os animais percam o receptor de capsicina, David Julius, Phd da Universidade da Califórnia/São Francisco, encontrou que os ratos ainda experimentam alguma dor provocada pelo calor. A conclusão é de que padrões redundantes devem compensar a perda do TRPV1(Annu Rev Neurosci. 2001;24:487-517).
Sobre a sensação de dor e calor
O lado sensível da capsicina, que desencadeia a dor, é constituído de moléculas chamadas canabinóides (assim chamadas por serem derivadas da planta canabis) que podem bloquear os sinais de dor. Quando o ligando HU-210 do receptor de canabinóide é aplicado à pele de humanos, a percepção da dor, após a administração de capsaicina, é reduzida (Pain. 2003;102:283-288).
Outro estudo mostra que a ativação do receptor de canabinóide em células externas ao sistema nervoso central reverte a hipersensibilidade sensorial em ratos com dor neuropática. Estes resultados sugerem uma forma promissora de inibir a dor sem os efeitos adversos para o sistema nervoso central das medicações habituais (Proc Natl Acad Sci U S A. 2003;100:10529-10533).
Alguns cientistas têm se dedicado aos efeitos no alívio da dor dos canabinóides, tornando-se claro que criar ou bloquear a dor não é simplesmente ativar um ou outro receptor. Para complicar este assunto, o TRPV1 e um dos receptores de canabinóides, CB1, parecem ter necessidade de ligandos sobrepostos. Julius e colaboradores encontraram que uma molécula endógena a anandamina pode bloquear ambos os receptores.
“Isto pode resultar em uma ampla gama de efeitos”, como relata Julius. “Em baixas concentrações, a anandamina inibe a dor por bloqueio do CB1. Porém em altas concentrações, coisas mais complexas aparecem, já que também a TRPV1 é ativada. Desta forma, deve haver um ponto crítico em que uma alteração da resposta deve ocorrer”. Existem muitas questões não respondidas sobre o relacionamento entre estes receptores na percepção da dor, como se o TRPV1 e CB1 têm expressão na mesma célula. De modo geral, enquanto pesquisadores tentam responder esta resposta, outros estão testando alguns agonistas combinados, como as moléculas híbridas de capsaicina/anandamine chamadas arvanil, para observar se, esta droga, apresenta efeitos analgésicos significativos.
Alguns estudos mostram que a capsaicina pode ser eficaz na terapia da dor. A excitação inicial das moléculas de neurônios sensoriais pode criar um estado de dessensibilização, em que os neurônios falham em responder a uma variedade de estímulos. Devido a este efeito, a capsaicina tópica tem sido testada como analgésico em algumas condições de dor de natureza neuropática, como a neuralgia pós-herpética, neuropatia diabética, osteoartrite e artrite reumatóide.
Estudos clínicos com capsaicina têm sido problemáticos, estudos duplo cego controlado por placebo são impossíveis pela sensação de queimação induzida pela capsaicina. Mesmo assim, uma alta taxa de resposta ao placebo é referida em alguns estudos. Finalmente, muitos pacientes não toleram o tratamento pelo capsaicina e abandonam o trabalho.
Clifford Woolf, MD, PhD, of Massachusetts General Hospital, in Boston, acredita que a capsaicina não tem capacidades terapêuticas posto que os pacientes têm dificuldades de tolerar a medicação. “Na prática ela não funciona, disse o pesquisador”. “Você tem de administrar uma grande quantidade de capsaicina para conseguir a dessensibilização do paciente, o que pode ser difícil de tolerar”. Também recomenda cautela se muita capsaicina é administrada, já que pode destruir as fibras nervosas.
O agonista do TRPV1 resiniferatoxin, no momento em fase dois de pesquisa clínica para algumas condições, parece oferecer melhores perspectivas para o alívio da dor do que a capsaicina. Parece ser mais bem tolerado do que a capsaicina, porém existem opiniões discordantes na comunidade de pesquisadores de dor em relação a que abordagem é mais efetiva em atingir os receptores de capsaicina, como refere Arpad Szallasi, MD, PhD, do Hospital da Universidade da Pensilvânea. “A grande questão é se o TRPV1 é agonista ou antagonista, e que caminho devemos seguir?”. A impressão pessoal do autor é de que ambas as abordagens apresentam uma utilidade clínica bem definida.
Em estudos sobre como o sinal da dor é transmitido através do sistema nervoso central, cientistas descobriram que células não neuronais da microglia podem representar um importante papel no desencadear da dor.
Além de serem meramente células de suporte para os neurônios, as células da microglia têm provado ser importantes para a excitação neuronal. Estas células tratam de moléculas chamadas receptores de P2X4, e novas pesquisas em ratos mostram que o bloqueio destes receptores pode reduzir a dor.
Para estudar o papel das células da microglia na dor, uma equipe de pesquisadores do Japão e do Canadá cortaram um nervo periférico de rato, fazendo com que este se tornasse altamente sensíveis a um leve toque. Porém esta sensibilidade diminuiu quando um inibidor do P2X4 foi injetado no fluido cerebroespinhal (Nature. 2003; 14; 424:778-783). Cientistas especulam se as células da microglia podem ser uma ponte entre neurônios espinhais e periféricos, estas células podem ser responsáveis pela manutenção da sensação de dor crônica, isto é, a que persiste por muito tempo após uma lesão inicial.
Estes achados indicam um número de questões como, por exemplo, se as células da microglia detectam a lesão nervosa e como estas se comunicam com os neurônios. Se o bloqueio dos receptores P2X4 tem algum valor terapêutico no tratamento de pacientes com dor crônica. Estes pontos ainda devem ser determinados.
Olhando para os genes
Dor mecânica, térmica e química desencadeiam uma cascata de sinais complexos que trafegam entre e dentro dos neurônios. Uma melhor compreensão destes padrões pode ser mais promissora no desenvolvimento de novas drogas visando ao combate da dor.
Woof e outros pesquisadores estão usando análise de micro-arranjos para procurar mudanças na expressão de genes que resultem em dor. “Existem muitos genes em neurônios sensoriais que são regulados após lesão de nervo”, disse Woof. O quebra-cabeça é descobrir e priorizar os genes mais importantes.
Geneticistas também procuram por padrões que permitam a compreensão de diferenças individuais na percepção da dor, o que é doloroso para uma pessoa pode ser somente desconfortável para outra. Estas diferenças, como explica Woolf, têm muito mais a ver com os genes do que fingir não sentir dor. Cientistas identificaram alguns dos fatores genéticos que contribuem para a sensibilidade à dor, incluindo uma variante genética comum envolvida no metabolismo das catecolaminas que tem demonstrado afetar a resposta à dor persistente e estímulos estressantes (Science. 2003; 299:1240-1243).
HOMENS MULHERES E DOR
Outras diferenças individuais parecem ser relacionadas ao sexo. Em níveis iguais de intensidade da dor, homens e mulheres diferem na magnitude e tipo de resposta dos receptores de opióides em áreas distintas do cérebro. Por exemplo, homens demonstram maior magnitude de ativação de receptores do que mulheres no tálamo anterior, gânglio basal ventral e amígdala (J Neurosci. 2002; 22:5100-5107). Apesar de que diferenças hormonais podem ser um fator importante, estes estudos foram realizados quando os níveis de estradiol e progesterona estavam em seus níveis mais baixos nas mulheres, reduzindo os efeitos do nível hormonal. Apesar de os mecanismos de base na diferença sexual em relação à percepção da dor ainda não serem claros, especulam os cientistas que mulheres podem regular a dor de forma diferente dos homens devido a pressões evolutivas relacionadas à gravidez e partos.
Mais estudos são necessários para delimitar estas diferenças na percepção e tolerância à dor. Os médicos serão capazes, algum dia, de relacionar fatores genéticos específicos e usar este conhecimento para o tratamento de seus pacientes em condições normais e após lesões. O conhecimento dos padrões de controle da dor no nível molecular também significa a possibilidade de direcionar o tratamento para alvos específicos do mecanismo da dor e estabelecer tratamentos direcionados para cada síndrome dolorosa, como a artrite ou neuropatia diabética.
Fonte: JAMA. 2003;290:2391-2392.
Novos conhecimentos provenientes de estudos moleculares
Tracy Hampton, PhD