Depressão e Câncer – Depressão em Pacientes Terminais

Sabidamente pacientes de câncer apresentam uma incidência de depressão maior do que a população geral (Wellisch, D. K. 2002). Pacientes terminais também apresentam uma alta incidência de depressão e a despeito deste fato somente 3% destes pacientes recebem tratamento medicamentoso (Goldberg RJ, et al. 1985 in Breitbart, W, 2000) .

Algumas hipóteses podem explicar o fato destes pacientes serem medicados numa percentagem tão baixa. Entre estas hipóteses esta o fato de que aqueles médicos que geralmente vêem estes pacientes consideram a depressão um evento natural na fase de terminalidade. Desta forma, avaliam o estado de depressão não como tal, mas como sentimentos naturais entre aqueles que estão morrendo, minimizando assim o significado da depressão. Além disso, os clínicos que atendem a estes pacientes muitas vezes não se acham aptos a medicá-los numa abordagem psiquiátrica, ou, quando o fazem, nem sempre têm a experiência necessária no manejo de drogas ou doses, podendo sub-medicar estes pacientes, não obtendo então os resultados possíveis.

Quando se trata de diagnosticar depressão em pacientes de câncer podemos adotar como critério o que preconiza o DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – 4ª Edição) . São os seguintes os critérios propostos pelo DSM-IV:

Sintomas centrais: Humor Deprimido e Anedonia.

Sintomas secundários: perda ou ganho de peso, insônia ou hipersônia, agitação ou retardo psico-motor, fadiga ou perda de energia, diminuição de auto-estima ou sentimentos de culpa inapropriados, diminuição da habilidade de pensar ou de se concentrar e pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida, planejamento suicida ou tentativa de suicídio.

Para o diagnóstico de Depressão Maior é necessária a presença de um dos sintomas centrais e pelo menos quatro dos sintomas secundários, Para firmar este diagnóstico ainda é necessário que este quadro tenha a duração de pelo menos duas semanas.

No entanto, quando se trata de pacientes de câncer nem todos os critérios propostos pelo DSM-IV mostram-se adequados. Assim, são necessárias algumas adaptações desses critérios. Nos pacientes de câncer os sintomas perda de peso, distúrbios de sono, fadiga ou perda de energia e diminuição da habilidade de pensar ou de se concentrar perdem especificidade, já que podem ser desencadeados por outras causas devidas à doença e não mais à depressão. Esta questão pode ser contornada substituindo-se estes sintomas por outros que possam dar mais precisão ao diagnóstico. Desta forma, perda de peso deve ser substituído pela presença de aspecto deprimido do paciente, a insônia pode ser substituída por diminuição dos contatos sociais, fadiga substituída por sentimentos de auto-piedade ou pessimismo e, por fim, diminuição de concentração ou habilidade de pensar ser substituída por perda de reatividade e dificuldade de se animar.

Mesmo em se tratando de pacientes de câncer em fase terminal devemos também considerar a possibilidade destes apresentarem Distimia e Transtorno de Ajustamento com Humor Deprimido.

O Transtorno Distímico, segundo o DSM-IV, tem como característica essencial, a presença de um humor cronicamente deprimido que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos dias, por pelo menos dois anos. Durante os períodos de humor deprimido há ainda outros sintomas que podem estar presentes como apetite diminuído ou hiperfagia, insônia ou hipersonia, baixa energia ou fadiga, baixa auto-estima, fraca concentração ou dificuldade de tomar decisões e sentimentos de desesperança.

Em relação a alguns destes critérios e em se tratando de pacientes terminais com câncer, cabem as mesmas observações já feitas anteriormente. Em relação aos sentimentos de desesperança há que avaliar se se referem ao Transtorno Distímico ou à consciência que o paciente pode ter se sua condição física.

O Transtorno de Ajustamento se caracteriza, ainda tendo-se o DSM-IV como referencial, no “desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentos significativos em resposta a um ou mais estressores psicossociais identificáveis” (DSM-IV, p. 589) Deve-se considerar para efeitos diagnósticos que os sintomas se desenvolvam dentro de um período de cerca de três meses após o início dos estímulos estressores. Há que se considerar também uma discrepância entre a intensidade da reação comparada com o elemento estressor. Deve-se levar em conta a existência de um prejuízo significativo no funcionamento social. O Transtorno de Ajustamento com Humor Depressivo é considerado quando há manifestações predominantes de sintomas como depressão, tendência ao choro ou sensação de impotência.

O diagnóstico de Transtorno de Ajustamento com Humor Deprimido é um diagnóstico controverso em Cuidados Paliativos, já que requer uma avaliação subjetiva do que é normal. Se este conceito for aplicado de forma descuidada pode superpsicologizar o paciente, estigmatizando-o.

Devem também ser considerados alguns fatores de risco para a depressão em pacientes terminais como: gênero, idade, história anterior de depressão, apoio social, condição funcional, dor, fatores relacionados à doença, fatores relacionados aos tratamentos e aspectos existenciais.

Em relação ao gênero é conhecido o fato de que mulheres são mais sujeitas à depressão do que os homens, apresentando o dobro de incidência em relação a estes últimos. Segundo Plumb e Holland (1981) e Chochinov, citados por Chochinov e Breitbart (2000) homens são mais prováveis de serem diagnosticados como severamente deprimidos.

No que diz respeito à idade, jovens geralmente apresentam mais depressão quando estão fora de possibilidades terapêuticas de cura do que pessoas idosas. Este acontecimento é atribuído ao fato de que jovens não puderam realizar seus projetos de vida, tendo que vê-los interrompidos. Freqüentemente nestes casos também não puderam atender a algumas determinações biológicas, como a procriação. Jovens que já têm filhos podem também apresentar severas preocupações com o destino de suas famílias após sua morte. Há uma outra hipótese que tenta explicar a maior incidência de depressão em jovens que é o fato destes serem mais atentos a modificações de humor do que pessoas mais velhas, em função de aspectos culturais da atual geração, introduzindo aqui um viez metodológico.

A existência de antecedentes de depressão é um fator a que se deve dar atenção por ser preditiva de maior risco. A depressão pode ser um processo crônico pontuado por remissões episódicas. Pacientes de câncer que apresentam depressões freqüentes têm maior possibilidade de terem tido episódios depressivos na juventude. Doenças como o câncer funcionam como um estressor maior.

Outro elemento que pode influir na instalação de depressão ou seu agravamento é a fragilidade de uma rede social de apoio. Pessoas com estrutura psíquica frágil geralmente têm dificuldade em estabelecer rede social de apoio significativa. Hoje é sabida a importância que o apoio social exerce como elemento modulador de estresse. A experiência de suporte social parece ter importância no processo de ajuste psicológico em pacientes portadores de doenças graves.

Há pacientes que, não querendo se constituir num peso para a família, não expõe ou partilham seus sentimentos e emoções aumentando o isolamento e a depressão. Homens geralmente apresentam maior isolamento social do que as mulheres, além de preocupação com inabilidade para o trabalho.

Pacientes com doença mais avançada têm taxas mais altas de isolamento social quando comparados com aqueles com doença mais localizada. Quando em Cuidados Paliativos estabelecem-se, geralmente, grandes déficits sociais. Nestes casos o efeito regulador de estresse que o apoio social oferece pode ser eficaz apenas até certo ponto, enquanto grandes deficiências não sejam atingidas.

Ajuste emocional, provisão de informações e ajuda instrumental são elementos importantes no atendimento à pacientes de câncer.

Há também que se considerar que o estigma ligado ao câncer faz com que muitas pessoas se afastem dos pacientes de câncer, contribuindo assim para o isolamento social.

A condição funcional do paciente está também associada à depressão. A piora do estado físico pode desencadear depressão. Pacientes em estado mais avançado têm maior possibilidade de ter intercorrências psiquiátricas.

A dor é um outro elemento a ser sempre considerado ao se fazer diagnóstico psiquiátrico. É sempre recomendável que a dor seja removida antes de se firmar este tipo de diagnóstico.

Existem também fatores relacionados à doença, como a localização que pode acarretar maior freqüência de depressão, quer em função de deformidades, quer em função da maior incidência de síndromes paraneoplásicas, como no caso dos tumores produtores de hormônios. Há ainda que considerar que a depressão parece ser mais incidentes em pacientes portadores de tumores cerebrais, numa proporção de três vezes mais do que em outros pacientes com câncer e nove vezes mais do que na população geral. ( Wellisch, D.K., 2002)

Alguns pacientes podem apresentar quadro de depressão em função dos próprios tratamentos. Alguns quimioterápicos e corticosteróides usados no tratamento de câncer podem desencadear quadros psiquiátricos importantes que exijam diagnóstico adequado e intervenção medicamentosa, mesmo em se tratando de pacientes em fase terminal. Aspectos existenciais têm que ser considerados. Há que lembrar que pacientes que têm consciência do que está ocorrendo nesta fase de suas vidas podem se mostrar deprimidos. É importante que possamos estar alertas a estes elementos e adotarmos uma atitude continente.

O lidar com a depressão no paciente terminal

O tratamento deve contemplar tanto a medicação específica e adequada como abordagem psicossocial. A abordagem psicossocial poderá ser feita através de psicoterapia individual, psicoterapia de grupo, hipnoterapia, abordagem psico-pedagógica, , relaxamento, biofeedback ou grupos de auto-ajuda.

Sempre que houver a necessidade de tratamento medicamentoso da depressão este deverá estar associado à psicoterapia. Os profissionais de saúde envolvidos no tratamento do paciente devem manter um contato constante com este, evitando o comportamento tão comum de afastamento.

Para melhor continência temos usado, com sucesso, a técnica da escuta ativa, através da qual, pacientes sentem-se melhor compreendidos em seus sentimentos e emoções, diminuindo a sensação de isolamento.

O profissional de saúde, sobretudo aqueles que têm a possibilidade de lidar com as emoções do paciente, devem manter o foco da abordagem bastante amplo, cuidando de que a morte não seja o único assunto a ser considerado.

Quando se trata do uso de medicamentos estes devem ser adotados, sem que haja prejuízo da abordagem psicoterápica.

Para a escolha do medicamento algumas questões devem ser consideradas, como, por exemplo, qual a expectativa de vida do paciente. Quando a expectativa de vida é de vários meses os antidepressivos tricíclicos podem ser usados. Se a expectativa de vida for apenas de algumas semanas justifica-se o uso de psicoestimulantes de ação rápida. Se a expectativa de vida for de alguns dias ou mesmo de horas, deve-se usar drogas sedativas ou analgésicos narcóticos.

Para o uso dos antidepressívos tricíclicos é importante a análise de risco e benefício. As aminas terciárias, como a Amitriptilina e Imipramina , causam muitos efeitos colaterais. Aminas secundárias, como a Nortriptilina, causam menos efeitos colaterias.

Os efeitos colaterais mais freqüentes destes medicamentos são constipação, retenção urinária, delirium, diminuição da motilidade gástrica, boca seca, taquicardia, arritmias cardíacas e tonturas.

Uma outra classe de antidepressívos, os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), não apresenta tantos efeitos colaterais, nem necessita de monitoramento, apresentando maior margem de segurança.

Os de uso mais freqüente em nosso meio são a Sertralina, a Fluoxetina, a Paroxetina e a Nefazodona.

Há ainda uma outra classe de antidepresssívos que pode ser considerada, a dos antidepressívos heterocíclicos como a Maprotilina e a Mianserina.

Os Inibidores da Monoamino Oxidase (IMAO) são de uso menos freqüente por poder apresentar efeitos colaterais, como importantes crises hipertensivas, exigindo manejo mais cuidadoso e dieta com várias restrições alimentares.

Os psicoestimlantes são a Dextroanfetamina, o Pemoline e o Metilfenidato, sendo este último disponível em nosso meio. Outros medicamentos podem ser usados no tratamento de quadros de Transtorno de Humor, quando temos presente mania, como o Carbonato de Lítio e alguns anticonvulsivantes

Em ansiedade os benzodiazepínicos são drogas úteis, havendo várias disponíveis que podem ser escolhidas conforme seu perfil farmacológico, considerado cada caso.

* Trabalho publicado nos Anais do VII Congresso Brasileiro De Psico-Oncologia

BIBLIOGRAFIA

Breitbart, W, et al. “Diagnosis and Management of Depresion in Palliative Care, Handbook of Psychiatry in Palliative Medicine, Oxford University Press, New York, 2000) .

Chochinov HM, Handbook of Psychiatry in Palliative Care, Oxford University Press, 2000

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-IV, Artes Médicas, Porto Alegre, 1995)

Plumb MM, Holland, J. “Comparative studies of psychological function in patients with advanced cancer-II. Interviewer-rated current and past psychological symptoms. Psychosomatic Medicine, 1981; 42:243-254.

Wellisch, D.K. et al. “Predicting Major Depressin in Brain Tumor Patients, in Psycho-Oncology, (230-238, May-June, 2002

Vicente A. de Carvalho

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