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INTRODUÇÃO
A previsão da UNAIDS(1) para 2004 é de que haja 37,8 milhões de casos no mundo, francamente em extensão na África (2/3 dos casos do mundo) e em alguns países da Ásia e do Leste Europeu. Nos países desenvolvidos, como os EUA, há uma tendência de queda na incidência, aumento na prevalência (pelo aumento na sobrevida) e diminuição de 70% da letalidade.(2) No Brasil, conforme os dados do Boletim do Ministério da Saúde (31/12/2003),(3) há 310.310 casos notificados, com tendência a queda na incidência e letalidade.
Em 1996, com a introdução progressiva de drogas novas ao arsenal terapêutico, popularmente denominadas de “coquetel” ou HAART (highly active antirretroviral therapy), houve grande melhora no prognóstico da doença e os pacientes beneficiados têm vivido mais e melhor.(2,4-6)
CUIDADOS PALIATIVOS E AIDS
Apesar dos avanços citados na terapêutica anti-retroviral, há alguns problemas, inerentes à mesma e aos próprios doentes, que dificultam ou impedem o seu pleno benefício.(4,5,7) São eles:
1. Cronificação da doença: graças ao aumento na sobrevida, os doentes permanecem vivos maior tempo e com isso apresentam aumento nos índices de doenças crônicas, como diabetes mellitus, tumores oportunistas ou não, cirrose hepática (alcoólica ou devida a hepatites virais), entre outras doenças, com os sofrimentos inerentes a elas.
2. Não-aderência/resistência à medicação: O índice de falha com HAART em 12-24 meses é de 40%-50%.(5) Isto se deve em grande parte à não-aderência total ou parcial, devido a efeitos colaterais, problemas psíquicos ou sociais ou ainda ao uso por longa data e a conseqüente resistência adquirida à medicação. Com isso, o doente vai evoluindo progressivamente para a terminalidade.
3. Efeitos colaterais inerentes à medicação: A HAART tem implicado em: aumento de diabetes mellitus, dislipidemias graves (com aumento de AVC e IAM), osteoporoses/osteopenias, lipodistróficas (deformidades corporais), acidose lática, entre outros, o que tem dificultado a abordagem e uso correto das medicações.
Com o exposto acima fica claro que apesar dos grandes avanços na terapia anti-retroviral, a aids é um exemplo de doença crônica e progressiva, inscrevendo-se como objeto exemplar e atual da ação dos Cuidados Paliativos.
Os Cuidados Paliativos, na aids, seguem os mesmos princípios como para qualquer doença, ou seja: visam o conforto pleno (físico, psíquico, social e espiritual) dos pacientes e seus cuidadores, afirmam a vida e olham a morte como um processo normal, oferecem sistema de suporte para o doente viver tão ativamente quanto possível até a morte e oferecem a seus familiares suporte na doença e no luto.
Há, porém, algumas particularidades dos Cuidados Paliativos na aids em relação aos doentes oncológicos:(5,8)
– a idade é geralmente mais jovem, aumentando o sofrimento psíquico;
– a doença é multissistêmica, com múltiplos diagnósticos e grande número de tratamentos simultâneos, dificultando a adesão;
– ocorrem repentinas e dramáticas mudanças na condição clínica, dificultando a identificação da fase terminal;
– há mudanças dinâmicas nos padrões de tratamento, fazendo-se necessária atualização constante por parte dos profissionais;
– são freqüentes o isolamento, o estigma e a falta de compaixão da sociedade para com o paciente e família;
– são grandes os problemas de estrutura familiar e social geral (drogadição, múltiplas mortes em domicílio), dificultando a abordagem paliativa;
– há grande interação negativa de drogas freqüentemente utilizadas para dor, como metadona, carbamazepina, neurolépticos e os medicamentos anti-retrovirais, dificultando a abordagem de sintomas álgicos;
– há maior incidência de efeitos colaterais de medicações (alergias, hepatites, nefropatias, entre outros);
– as causas de sintomas físicos em aids são freqüentemente originadas por infecções e portanto potencialmente tratáveis, fazendo-se necessário tal conhecimento por parte do médico paliativista;
– há maior subtratamento de dor na aids do que no câncer: 85%,(9) e 49%,(10) respectivamente;
– Há pior escala de bem-estar emocional em relação a qualquer doença crônica, independente do estágio da doença, exceto a depressão primária;(11)
– há grande dificuldade de prognosticar o doente com aids e, assim, identificar a fase terminal. Isto ocorre principalmente por ser uma doença infecciosa e, portanto, potencialmente tratável, e por terem ocorridos grandes avanços terapêuticos. Os principais fatores de mau prognóstico na aids são:(7,11-13) dosagem de linfócitos CD 4+ abaixo de 50 céls./mm3; má resposta a anti-retrovirais ou efeitos colaterais graves; linfoma de sistema nervoso central; leucoencefalopatia multifocal progressiva; criptosporidiose; falência renal sem indicação de diálise, além de outros menores, como: índice de Karnofsky abaixo de 70; ADL (activity daily life) entre 3 e 4; perda de 33% do peso corporal; albumina abaixo de 2,5 mg/dl; sarcoma de Kaposi visceral refratário ao tratamento ou com complicações respiratórias ou gastrointestinais; complexo demencial avançado pelo HIV; toxoplasmose; citomegalovirose ou micobacteriose não-tuberculosa com falha de tratamento; idade acima de 50 anos e insuficiência cardíaca congestiva.
Há alguns problemas específicos com cuidadores informais, como:(14) são mais jovens e portanto mais inexperientes; sofrem preconceito da sociedade; medo de contaminação; alguns já são contaminados ou doentes; uso de drogas; culpa ou raiva pela contaminação de parceiros e/ou filhos; perda de amigos; envolvimento maior com justiça.
A equipe de saúde também sofre alguns problemas: medo da contaminação; preconceitos; alguns profissionais contaminados; problemas de confidencialidade da doença; frustração quanto à falta de adesão dos pacientes ao tratamento.
Os principais problemas clínicos detectados pelos inúmeros autores em pacientes com aids variam de acordo com a fase clínica da doença. O estudo de Mathews, com 3.000 pacientes em todos os estágios clínicos, detectou:(15) febre/sudorese 51%; diarréia 51%; náusea/anorexia 50%; dor/dormência pés e mãos 49%; cefaléia 39%; perda de peso 37%. Sims e Moss,(16) estudando pacientes em estágio avançado da doença, detectaram: dor 84%; astenia/perda de peso 61%; problemas de pele 45%; anorexia 41%; confusão/demência 29%; náusea/vômito 21%; depressão 20%.
Temos observado uma grande preocupação internacional e nacional, via Ministério da Saúde, com o tema de cuidados paliativos em pacientes com HIV/aids. Há inúmeros serviços já em funcionamento com modelos de abordagem distintos, tais como: atendimento prioritariamente domiciliar como em Uganda,(17) modelo clássico de Hospice exclusivo para aids como no Mildmay Mission Hospice – em Londres(16) -, modelo em hospital geral, como no Montefiore Medical Center – em Nova York(18) e modelo em hospital de doenças infecciosas, como no Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Citaremos a seguir a experiência neste último serviço.
Equipe de Cuidados Paliativos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas
O Instituto de Infectologia Emílio Ribas é um hospital público estadual fundado em 1880, localizado em região central do município de São Paulo e específico para o atendimento de doenças infecto-contagiosas. Atualmente dispõe de 200 leitos para internação e uma ampla rede ambulatorial e de hospital-dia, sendo que cerca de 70% do seu atendimento atual é para pacientes com HIV/aids. Ante a grande demanda potencial para cuidados paliativos nesse Instituto é que, em 1999, a Equipe Interdisciplinar de Cuidados Paliativos foi oficializada. É composta por médicos, enfermeiras, assistentes sociais, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicóloga e capelã, quase todos os membros inseridos como participantes colaboradores (não exclusivos) para este tipo de atendimento no hospital.
Há uma preocupação da Equipe em seguir a missão do Hospital, ou seja, assistência, ensino e pesquisa.
Na assistência, a metodologia de trabalho é o atendimento multiprofissional, com abordagem global a todos os sofrimentos na esfera física, psicossocial e espiritual ao paciente e ao cuidador, e reavaliações diárias a pacientes internados e atendimento semanal a pacientes ambulatoriais.
A equipe de CP-IIER sempre teve a preocupação com a disseminação dos conceitos de cuidados paliativos entre os inúmeros estudantes que estagiam na Instituição todos os anos, com aulas e cursos freqüentes. Em 2001, o Ministério da Saúde oficializou a equipe como Centro de Referência de Aids em Cuidados Paliativos, com a função de treinar profissionais da saúde que trabalham com DST/aids. Desde então já foram realizadas seis capacitações para 120 profissionais de 47 serviços de oito Estados e dois de Moçambique, além de duas sensibilizações nacionais sobre o tema. Tem havido, ainda, ampla participação dos seus membros em congressos, palestras, jornadas, com o intuito de divulgar a filosofia e aglutinar profissionais em torno dela.
CONCLUSÃO
– A aids tem uma grande demanda para cuidados paliativos.
– O objetivo dos cuidados paliativos na aids é paliar em todas as fases de doença.
– Há uma grande dificuldade em fazer um prognóstico acurado na aids.
– É fundamental o trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar.
– Há uma alta incidência de desconforto físico, psicossocial e espiritual.
REFERÊNCIAS
1. UNAIDS. Report on the Global HIV/AIDS Epidemic. Disponível na internet via http://www.unaids.org/in/default.asp em 17/11/2004.
2. Valdez H, Chowdhry TK, Asaad R, Woolley IJ, Davis T et al. Changing spectrum of mortali-ty due to human immunodeficiency vírus: Analysis of 260 deaths during 1995-1999. Clin Infect Dis 2001;32:1487.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Controle de DST/AIDS. Boletim Epidemiológico AIDS.Brasília: Ministério da Saúde, 52 p, dezembro 2003.
4. Jacobson LP, Li R, Phair J, Margolick JB, Rinaldo CR et al. Evaluation of the effectivenes of higly active antiretroviral therapy in persons with human immunodeficiency virus using biomarker-based equivalence of disease progression. Am J Epidem 2002;155:760.
5. Easterbrook P, Meadway J. The changing epidemiology of HIV infection: new challenges for HIV palliaive care. J R Soc Med 2001;94:442.
6. Meyers FJ, Linder JF. US Department of Health and Human Services. Health Resources and Services Administration. HIV/AIDS Bureau. Capítulo 23. Medical Care in Advanced AIDS.
7. Brechtl JR, Breitbart W, Galietta M, Krivo S, Rosenfeld B. The use of highly active antiretroviral therapy (haart) in patients with advanced HIV infection: impact on medical, palliative care, and quality of life outcomes. J Pain Symptom Manage 2001;21:41.
8. Egger M, May M, Chene G, Phillips AN, Ledergerber B, Dabis F et al. Prognosis of HIV-1- infected patients starting highly active antiretroviral therapy: a collaborative analysis of prospective studies. Lancet 2002;360:119.
9. Glare PA, Cooney NJ. HIV and palliative care. MJA 1996;164:612.
10. Breitbart W, Roselfeld BD, Passik SD, McDonald MW, Thaler H et al. The undertreatment of pain in ambulatory AIDS patients. Pain 1996;65:243-9.
11. Cleeland CS, Gonin R, Hatfield AK, Edmonson JH, Blum RH et al. Pain and its tretment in outpatients with metastatic cancer. The Eastern Cooperative Oncology Group. New England J Med 1997;330:592-6.
12. Meyers FJ, Linder JF. Medical care in advanced AIDS. In: A Clinical Guide to Supportive & Palliative Care for HIV/AIDS 2003;capitulo 23. US Department of Health and Human Services. Health Resources and Services Administration. HIV/AIDS Bureau. Disponível em http://hab.hrsa.gov/tools/ palliative/ contents. html
13. National Hospice Organization. Standards and Acreditation Committee: Medical Guidelines Task Force. Medical Guidelines for Determining Prognosis in Selectes Non-Cancer Diseases, 2 nd ed. Arlington, VA. National Hospice Organization, 1996.
14. Grothe T, Gottlieb M. Hospice care and symptom management. In: Merigan TC, Bartlett JG, Bolognesi D (eds). Textbook of AIDS Medicine, 2ª ed. Baltimore: Williams & Wilkins Press, 1999.
15. O Neil JF, McKinney MM. Care for the caregiver. In: A Clinical Guide to Supportive & Palliative Care for HIV/AIDS 2003;capitulo 20. US Department of Health and Human Services. Health Resources and Services Administration. HIV/AIDS Bureau. Disponivel em http://hab.hrsa.gov/tools/palliative/contents.html
16. Mathews W, McCutcheon JA, Asch S. National estimates of HIV-related symptom prevalence from the HIV Cost Services Utilization Study. Med Care 2000;38:762.
17. Sims R, Moss VA. Where to care. Sims R, Moss VA (eds). Palliative care for people wih AIDS. London. Edward Arnold 1995;xviii.
18. Kikule E. A good death in Ugand: survey of needs for palliative care for terminally ill people in urban areas. BMJ 2003;327:192.
19. Selwyn PA, Rivard M. Palliative care for AIDS: challenges and opportunities in the era of higly active anti-retroviral therapy. J Palliative Med 2003;6:475.
Dra. Elisa Miranda Aires1 – Mônica Estuque Garcia Queiroz2 – Andrea Cristina Matheus da Silveira de Souza3
Dr. Ronaldo da Cruz1 – Dra. Sônia Regina Rocha Miura1 – Eleny Vassão de Paula Aitken4
Ernestina Maria de Melo Cunha Barros5 – Anna Maria Lucchetta Furlan5 – Sandra Helena dos Santos de Mello6
Dorotéia Aparecida de Melo7 – Alzelene Ferreira de Souza6 – Maria Teresinha Zerlotini8
1Médicos. 2Terapeuta Ocupacional. 3Psicóloga. 4Capelã Evangélica. 5Assistente Social. 6Enfermeira.
7Nutricionista. 8Fisioterapeuta. Membros da Equipe de Cuidados Paliativos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas de São Paulo – SP.